A televisão brasileira saiu na frente do rádio na digitalização. Já são 11 anos e sete meses, desde 2 de dezembro de 2007, que foi dado o ponta pé inicial de sua digitalização.
Agora em 2018 a TV se reinventa novamente, com a proposta de evolução do middleware Ginga, que inclui avanços em tipos de mídia suportando, novos protocolos de comunicação, extensões ao NCL/Lua e suporte a HTML5, e que, a princípio, se chamará “Ginga perfil D” — sendo concebido com o propósito de integrar o sinal broadcast do AR com o sinal broadband internet, já presente na maioria das smart TVs comercializadas no Brasil. Segundo dados da Eletros, entidade brasileira que representa o setor de TV, 35% dos aparelhos de televisão vendidos na atualidade são smart TVs de 4k.
Esse novo Ginga nascerá com um novo conceito chamado IBB (Integração Broadcast Broadband). Nessa nova integração, a emissora de TV poderá ter um incremento de receita publicitária, uma vez que será possível veicular em cada smart TV um comercial específico de acordo com o local, ou mesmo com o perfil do usuário — exemplo: uma smart TV em Guarulhos, SP, recebendo um sinal do AR transmitido de uma emissora de São Paulo. Em um instante exclusivo do breakcomercial, na capital passa a propaganda de São Paulo, e na smart TV de Guarulhos passa um comercial local, baixado pela TV por meio do broadband e ligado no instante pelo broadcast do AR. Nesse mesmo instante, as smarts de Santo André passam um comercial de Santo André; as de São Bernardo, um de São Bernardo e assim por diante. Dessa forma, a emissora poderá continuar vendendo para todas como é hoje e exclusivamente para cada local, como mostrado antes.
Isso abrirá o leque de vendas para a emissora, aumentando sua receita. Muita gente que não anuncia hoje, por causa do preço e por não haver interesse em toda a área de cobertura do sinal, passaria a anunciar somente na área e na cidade de interesse.
Considera-se também o tagueamento do sinal. Um smartphone próximo de uma loja que anuncia na TV poderá receber uma mensagem próxima dela, inclusive com a evidência da promoção, etc.
A emissora poderá vender para nichos nos quais hoje ela não anuncia. Vejamos este exemplo: um médico na plataforma da sua smart TV , cadastra sua profissão, seu endereço, sua renda etc. A plataforma informa pelo broadband ao servidor da emissora que um médico daquele local está cadastrado. Após um tempo, a emissora terá um banco de dados de médicos cadastrados. Passa então a vender, em nível nacional e local, propaganda para médicos. Na hora do break, o sinal broadcast do AR traz comandos para aquela smart TV ir até ao servidor da emissora e baixar uma propaganda de estetoscópio. Quando vier o break, um comando do sinal do broadcast do AR manda aquela smart TV veicular a propaganda baixada. Na smart TV do agrimensor, ele verá a propaganda do teodolito; na do dentista, a da cadeira etc.
Além disso, a auditagem poderá ser precisa, se for de interesse da emissora. Torna-se possível que, pelo broadband, a TV informe a emissora que ela estava ligada na hora e no canal quando e onde passou a propaganda. Esse novo ambiente integrado possibilitará diversas novas formas de uso vantajosas tanto para a emissora quanto para o usuário.
Estuda-se a possibilidade de, à medida que o telespectador use a plataforma na smart TV, ele some pontos e, a partir de determinada pontuação, a plataforma libere para ele, por exemplo, uma segunda tela pelo broadband-internet (câmera atrás do gol) de um jogo de futebol.
Imagine que a programação do ar de uma série de TV também esteja disponível em 4k na plataforma broadband da emissora. Nesse instante, o telespectador poderá vê-la em 4k no broadband, em vez do HD do broadcast, inclusive mensagem no broadcast para assistir episódios anteriores.
Acredito que, à medida que o sistema começar a operar, novos casos de uso surgirão, potencializando ainda mais o novo sistema, tanto pelo lado da emissora, quanto para o telespectador, fortalecendo e integrando mais ainda a TV aberta com a internet.
Visto tudo isso, fica a pergunta: e o rádio?
O rádio nasceu antes da TV, foi pioneiro na comunicação no passado, com suas famosas novelas e o noticiário.
Uma coisa muito importante está sendo feita com o rádio nos últimos tempos: é o processo de Migração de AM para FM. Com ela, a nova rádio em FM passou a ocupar um espaço maior no espectro, de 10Khz para os atuais 200Khz. A cobertura aumentou e a qualidade do áudio melhorou substancialmente.
O rádio sobrevive forte, tem seu espaço no mundo publicitário e no gosto da população. O rádio, entretanto, continua analógico. Penso que é chegada a hora de se repensar a sua digitalização.
Os padrões de rádio digital atuais foram concebidos um pouco antes da digitalização da TV no Brasil, por volta de 2005. Naquela época, o foco da digitalização era melhorar a qualidade de áudio e possibilitar a multiprogramação.
A internet ainda não participava ativamente da vida de todos, como na atualidade. Penso que hoje um padrão de rádio digital deve, não só melhorar qualidade de áudio ou possibilitar a multiprogramação, mas tem que estar integrado à internet. A integração à internet é uma demanda atual e será do futuro. É um caminho sem volta!
Para não ficar fora do “bonde da internet”, as emissoras atuais partiram para os aplicativos nas emissoras. Neles é possível ter a rádio na internet, porém de forma limitada, uma vez que, para cada ouvinte conectado, a emissora paga um preço, e o ouvinte também paga para ouvir a rádio, por intermédio do seu plano de dados, seja móvel, seja fixo, na rede WiFi (internet paga).
O broadcast da emissora de rádio possui uma característica que a internet levará algum tempo para ter: a possibilidade de chegar a infinitos receptores em tempo real e de forma gratuita! Isso torna o broadcast imbatível na atualidade, o que dá motivos para o radiodifusor continuar com a outorga do canal.
Para pensar: o dia em que a internet conseguir se igualar às características do broadcast descritas acima, se o rádio ainda se mantiver analógico, o radiodifusor não terá mais motivo para possuir a outorga do espectro.
Quando isso ocorrer, fatalmente o governo tomará o espectro de volta e o licitará para dados. O espectro eletromagnético é um bem finito e, por conseguinte, cada vez mais raro e caro!
A digitalização do rádio vai no caminho também da manutenção da outorga, pois se digital e digital com o DNA da internet, com a evolução do padrão, no futuro a rádio poderá ser também servidora de dados broadcasting, porém gratuitos, sendo superior à internet. Nesse sentido, a passagem da largura da banda da outorga de AM de 10Khz para FM em 200Khz foi um grande ganho também para quem migrou.
Repito: se o rádio continuar analógico e a internet se igualar às potencialidades do broadcasting, a manutenção da outorga deixa de fazer sentido, e esse espectro fatalmente será licitado para dados.
Rádio digitalizado, com DNA da internet
O rádio digitalizado com o DNA da internet evitará que isso ocorra, pois as emissoras já serão provedoras de dados. Sendo assim, acho prudente uma mobilização por parte da parte interessada, que são os radiodifusores. É bom começar a pensar nisso!
O primeiro passo seria uma reunião com as entidades que trabalham com a digitalização da TV, em sua maioria universidades brasileiras. Deve-se perguntar a elas se elas têm capacidade de desenvolver um padrão de rádio digital brasileiro que seja híbrido com o sinal analógico por um tempo e que, na parte digital, seja concebido de maneira a ter o DNA da internet, como está sendo feito com a TV. É preciso saber também quanto isso custaria.
O segundo passo seria discutir com eles sobre os padrões e qual deles poderia ser adaptado, mudando, por exemplo, seu middleware, de maneira que essa mudança possibilite a integração entre o broadcasting e o broadband nos moldes da TV. Lembrando que o Ginga já foi validado para o rádio Digital em trabalhos anteriores e que temos gente ativa nisso na PUC-Rio, UnB e UFRJ, entre outras.
A partir daí, seria possível formatar um modelo de padrão ou de sistema e elaborar uma proposta a fim de apresentá-la para o próximo governo.
O rádio ficou para trás da TV na digitalização. Temos que agir logo. Não podemos deixar a internet se igualar ao broadcasting. Se isso ocorrer, todos nós sairemos perdendo: radiodifusores e fabricantes de equipamentos de broadcasting e a população, que passará a pagar pelo rádio, de alguma maneira.